É corrente afirmar-se que o modo como as sociedades (nomeadamente o Estado e o poder político) lidam com a liberdade de imprensa constitui o melhor processo para avaliar as suas democracias, sustentado no indispensável papel da comunicação social (órgãos e jornalistas) na livre formação da opinião pública.
Nesta linha de pensamento, Denis McQuail define liberdade de imprensa como o “principio fundamental dos direitos humanos, individuais e políticos, que garante perante a lei o direito de todos os cidadãos a publicarem, sem censura prévia nem permissão da autoridade e sem recearem vinganças. Tem que ser exercida nos limites da lei e respeitar os direitos dos outros” (Teoria da Comunicação de Massas, 2002).
Deste modo, percebe-se (obviamente sem se concordar) que o Estado Novo tivesse uma preocupação acrescida com a Liberdade de Imprensa e, genericamente, com a própria liberdade de expressão. O que não se soubesse, comentasse ou divulgasse manteria os cidadãos focados no seu principal objectivo de vida: a família e o trabalho. E mesmo em relação a Deus (apesar da trilogia do regime: Deus, Pátria e Família) era preferível uma atenção a qualquer transformação do metafísico.
É pois, desta forma, que a acção repulsiva e asfixiante do estado, no regime salazarista, sustentava as suas acções nos sectores considerados como potenciais transformadores da sociedade e de poderem gerar alterações de comportamentos, posições e convicções: imprensa, política e cultura.
Com a chegada do 25 de Abril e após os dois primeiros anos de alguma turbulência (até 1976, após fim do PREC), a chegada de alguma estabilidade democrática e social trouxe a tão esperada e almejada liberdade (ou se quisermos, liberdades), concretamente a liberdade de expressão onde se encerra a liberdade de imprensa.
Mas terá terminado aí a questão da censura? Ou analisando por outro prisma, mais politicamente correcto: não haverá, hoje, outras formas de censura como a pressão e a influência?! Vejamos…
Não é concebível que, nos dias de hoje, uma sociedade se estruture sem uma informação sustentável e eticamente responsável. A informação tem consequências na formação das opiniões e, naturalmente, na capacidade de potenciar as dinâmicas e as relações das sociedades actuais. Mas sê-lo-á de forma claramente livre?! Estarão alguns sectores da sociedade dispostos a sujeitarem-se ao livre arbítrio da palavra, do som e da imagem?
Como refere Daniel Cornu, em “Jornalismo e Verdade”, “é mesmo a partir de uma boa informação que os cidadãos têm condições de participar na formação da vontade geral, pelas vias da democracia”. Este é igualmente o conceito defendido pelo sociólogo Jürgen Habermas (“A lógica das ciências sociais e outros ensaios”) que determina a comunicação e todo o seu processo (informação, jornalistas, meios) como condição básica da vida social, a regulação das relações sociais, a disponibilização do saber e o gerar identidades individuais.
Embora nem todas as dinâmicas sociais sejam claras, transparentes e perceptíveis (e até mesmo por causa disso), o papel do jornalista e dos media é de tal forma reconhecido (para o bem e para o mal) que a sociedade vive permanentemente sob o efeito da lógica da visibilidade (mediatismo), sendo um recurso estratégico utilizado frequentemente para se atingirem determinados interesses individuais ou colectivos.
Assim, a importância social dos meios de comunicação está directamente relacionada com a necessidade sentida pelos agentes sociais de se recorrerem da mesma.
É desta forma que os media se convertem em veículos privilegiados da “controvérsia” no meio político, económico, cultural e social, do confronto de ideias (ao qual a blogoesfera, mesmo sem contextualização na comunicação social, tem dado um relevante contributo) que estruturam as diversas dinâmicas da sociedade e dos seus cidadãos.
No fundo, o conceito de “socialização pelos media” reflecte o princípio de que, a partir da divulgação da informação disponível, toda a realidade social é construída, dia a dia, pelas vivências individuais e colectivas dos cidadãos ou instituições. Tal facto, leva a que, constantemente, sejam reestruturadas regras, normas, conceitos e valores da sociedade e das suas comunidades.
Neste contexto é que se legitima a interrogação inicial! Será a comunicação social verdadeiramente livre?!
Face ao seu poder e à sua capacidade de (re)construção social, o sector político e económico são constantemente tentados a pressionar, controlar e dominar a comunicação social. Não será estes factos uma nova forma de censura?!
Recordemos o caso Marcelo Rebelo de Sousa vs TVI. Analisem-se os grupos económicos que controlam as várias empresas de informação. Por mais leis de imprensa que se emitam, de que forma se poderá ter um serviço público livre e isento, quando tutelado pelo Estado?! Lembremos o caso José Rodrigues dos Santos vs RPT e, mais recentemente, a preocupação (?) (ou quezília política) do PSD pela contratação da jornalista Fernanda Câncio (“namorada” de José Sócrates) para coordenação de um programa na televisão pública. É curioso que o jornalismo de investigação (infelizmente tão ausente da realidade informativa nacional) tenha tido uma tão interessante pujança no jornal Público, logo após o falhanço da OPA da Sonae sobre a PT Comunicações. Quem detém o jornal Público?! Só agora é que interessa o passado arquitectónico do primeiro-ministro?
Infelizmente, a censura de há uns 40 e 50anos atrás, oprimia, causava vítimas, torturava. Mas pelo menos tinha um rosto.
Infelizmente, a censura hoje é gerada ao nível do tráfego de influências, do poder económico. Move-se na “sombra”.
Acresce a incapacidade do jornalista (aquele que ética, deontológica e estatutariamente tem o dever de ser o guardião da informação rigorosa, isenta e livre) cumprir o seu dever de forma exemplar.
No entanto, face à realidade actual do jornalismo (excesso de procura profissional para a escassez da oferta, precariedade laboral, …) e o excessivo controlo exercido pela componente económica (gestão dos órgãos de comunicação por grupos económicos fortes), condiciona fortemente a independência e a liberdade do jornalista, nomeadamente aqueles que iniciaram recentemente a sua carreira profissional. O jornalismo entrou, nos dias de hoje, numa clara concorrência de mercado, mais do que uma concorrência de valores e ideais.
Esta subversão, pelo domínio do poder económico na comunicação social, do conceito de liberdade de informação e do espírito de divulgação de ideias, convicções e reformas sociais de forma isenta, imparcial e livre, é patente na qualidade comunicacional e na precariedade laboral patente na actividade jornalística.
Esta é a nova realidade e rosto da “censura”.
Com ausência ou limitação da liberdade na informação é de esperar que a verdade não seja respeitada ou, por outro lado, que a mentira seja a prioridade estabelecida na comunicação.
Como diria o Dr. Cunha Rodrigues (“Comunicar e Julgar”): “Os tempos vão difíceis”.
Miguel Araújo
2º Ano de Comunicação - ISCIA, Abril de 2008